sábado, 31 de julho de 2010

Vazio.


Vazio de Pablo Herrerias (imagem).
Disponível em: http://www.fotosthais.blogger.com.br


Falta ar, força o quanto pode, mas o ar não chega aos pulmões. Sente uma dor incomum, como se uma lâmina fria tivesse rasgado a pele entre seus seios. Não, nada de sangue, só uma chaga seca fragilizando seu corpo. Dói respirar, andar e sentir o vento bater no peito; a vida que se impõe arde e resseca-lhe a alma. Pára e observa a outra mulher ao seu lado, ouvi a sua conversa como a uma canção desagradável. Tem gente que não se cansa de mentir, de achar saída pra tudo e colorir incertezas com certezas, castelos de areia estruturados no aço das convicções.

Não quer voltar pra casa sozinha, mas aborrece-lhe a idéia de alguém tentando algum consolo, deixa-se então sentada, pernas cruzadas, cotovelo no joelho, cabeça enterrada na palma da mão. Queria um pente e pentear os cabelos na varanda, ver do alto de seu nono andar as formiguinhas caminhando lá em baixo, ouvir aquele burburinho dos carros, chamado dos vendedores ambulantes, monólogo do vizinho de baixo no celular, e pentear os cabelos organizando tarefas no pensamento.

Oferecem-lhe um copo d’água e ela o aceita sem agradecer, bebe devagar, lembra daquela vez na praia quando ele dormiu estirado na areia e acordou um camarão ensopado com o balde dá'gua salgada que jogaram. Tossi engasgada, rir e olha ao redor: olhos de reprovação. Volta a enterrar a cabeça na palma da mão... Será que demoraria muito ainda? Que pergunta boba! Demorar como, se já tinha acontecido tudo o que tinha pra acontecer?

Vamos, levanta! Cria coragem, menina, e levanta! Abre a caixinha do peito, recolhe as lembranças soltas e guarda-as com carinho. Vai corrigir suas provas, trocar a resistência do chuveiro, tirar aquele mundo de papel velho da estante... Trabalho: o exercício cego da vida cega de todos os seres.

Então ela se levanta. Já foram quase todos embora, restam uns poucos parentes. Tia Zélia como sempre fazendo as vezes de dona da casa, recolhendo copos e colocando as cadeiras de volta ao redor da mesa de jantar. Ele reclamava horrores de tia Zélia, odiava quando ela insistia naquela história dele fazer carreira na marinha, odiava o orgulho que ela sentia de ter visto ele todo vestidinho de branco, cabelo empapado de gel, sapatinho de verniz. Ele odiava aquele uniforme, principalmente os sapatos de verniz um número maior do que os seus. Era difícil pensar “ele odiava” sem sentir o peso desta frase, odiar é forte de mais, mas era assim que ele dizia “Eu odeio.”. Ele sentia - se livre pra odiar...

“Fique mais um pouco, menina! Seu tio deixa você em casa mais tarde, também não vamos demorar muito.” Agradeceu, mas precisava ir agora, tinha trabalho pra fazer e o carro estava cheio, pegaria um táxi ali na porta mesmo. E assim se despediu.

Falar lhe deixou mais exausta, caminhou até o portão de ferro apressada, abraçando a bolsa, apertando-a contra o peito. E o pouco de sua força que restou ela a empregou pra se apoiar no poste defronte ao portão. Seu corpo dançou com o vento, seu cabelo veio-lhe à face, cerrou os olhos e enxergou uma profusão de reflexos, o suor escorria na linha do meio das suas costas e fazia o cabelo grudar na testa. Faltava muito chão até sua casa, e o taxi que não aparecia nenhum? Ah, inferno! Quando isto ia acabar?

O princípio do fim veio na figura do taxi. “Tá precisando de ajuda, moça? Seu Carlos mandou me chamar, tó entrando aqui, viu?” Não, não, o taxi era pra ela mesma. Na frente, gosta de ir na frente, e por favor o cinto hoje não. “Mas é contra lei moça.” Mandasse a lei pra o escambal, sabe onde fica isto, sabe não, pois bem, diriga, arranque logo com este carro e chega de nhenhenhe.

"Temer é viver escondido, não temer é asilar-se no relento; foragido do abrigo." (era um trecho do diário dele). Não teme o tempo. Pois não teme as rugas, os passos apertados e nem as palavras ditas com mais pensamento. Mas teme a morte. E muito. Abrigada na vida, orgulha-se de ser covarde e admitir está escondida. Pena que agora o esconderijo esteja vazio, as outras pessoas, amontoadas nesta caverna clara da vida, não lhe dizem do amor o seu perfume preferido, nem da paixão o seu vestido longo e vermelho. E mesmo que dissessem, não teria valor algum. É tanta gente, meu Deus! É gente pra habitar mais uns três planetas no mínimo! E vivendo todos encaixotados nestes prédios, vida shoppingniana, sem graça. “Chegamos moça, tem certeza de que vai ficar bem?” Sim, acha que sim...

“Queria eu não está ao sabor das águas, e ter em minhas mãos o controle das velas do barco que me leva. Queria eu ser mais do que meus sonhos e ter forças pra não bebê-los sempre até me embriagar.” Disse isto em voz alta (mais um trecho do diário dele), como quem reclama a atenção de alguém. O silêncio da cidade ainda acordada foi a sua resposta. Atirou-se no sofá e ali permaneceu por tanto tempo não saberia dizer depois. Ficou a pensar, não nesta vida, mas naquela dos seus sonhos.

Quando quis se levantar, já anoitecia e o céu estava cor de rosa e laranja. Sentia uma fome enorme, lembrou de não ter almoçado e da pizza dormida na geladeira. Aquela borracha insossa desceria goela abaixo, gelada como estava, sem que notasse o gosto ruim do bolor. Comeu, bebeu um pouco d’água, despiu-se; debaixo do chuveiro ficou mais uma hora, e nessa hora não pensou em nada, um vazio...

Helena.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Sobre tirania e fraqueza.

"[...] um homen pode ter veneno em suas prateleiras, mas não pode vendê-lo como elixir."

JONATHAN SWIFT em As viagens de Guilliver.

quinta-feira, 29 de julho de 2010



Tudo indica que não é nada legal postar coisas dos outros no blog da gente. E fazendo isto, não devemos deixar de colocar os devidos créditos (aquele linksinho que direciona o leitor ao local do texto/foto/vídeo original)!

Pode ser que eu esteja à beira do precipício dos blogueiros... ou pode ser que não! Eu prefiro acreditar que não; prefiro acreditar que pode ser sim interessante mesclar “coisas dos outros” com “coisas minhas”. É o que pretendo fazer.

Espero que este seja um trabalho sempre inacabado, lúdico, aberto a críticas e cujo objetivo maior é passar o tempo fazendo o que eu mais gosto de fazer: ler e divagar!

Aos leitores e autores todo o meu respeito,

Helena.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

"A vida é para nós o que conhecemos nela.
Para o rústico cujo campo próprio lhe é tudo,
esse campo é um império.
Para o César cujo império lhe ainda é pouco,
esse império é um campo.
Na verdade não possuímos mais
que as nossas próprias sensações."

FERNANDO PESSOA em Livro de Desassossego.